Por duas vezes, a justiça do Rio Grande do Sul, reconheceu a paternidade socioafetiva de um homem que descobriu, após cinco anos, não ser o genitor de uma criança que tinha como filho.
Em primeira instância perdeu, concluíram que a paternidade socioafetiva estava consolidada, devendo prevalecer sobre a biológica. O Tribunal do Rio Grande do Sul (TJ/RS) confirmou a decisão de primeiro grau, julgando improcedente a negatória de paternidade.
Todavia, não se dando por vencido, uma vez que teria sido enganado durante anos, induzido à erro, recorreu mais uma vez.
No recurso ao STJ, o autor da ação sustentou que foi induzido a erro pela mãe da criança, que teria atribuído a paternidade a ele.
De acordo com o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, ficou claro que, se o recorrente soubesse da verdade, não teria registrado a criança, “tanto é assim que, quando soube dos fatos, rompeu definitivamente qualquer relação anterior, de forma definitiva”.
O ministro considerou as conclusões do tribunal Gaúcho ao reconhecer a ocorrência efetiva do vício de consentimento do recorrente, que, ao registrar a criança, acreditou verdadeiramente que ela era fruto de seu relacionamento com a mãe.
Segundo o relator, se até o momento do exame de DNA a genitora alegava que o menor era filho do recorrente e que nunca houve ato de infidelidade, é “crível” que ele tenha sido induzido a erro para se declarar pai no registro de nascimento.
O ministro afirmou ainda que a doutrina considera a existência de filiação socioafetiva apenas quando há clara disposição do apontado pai para dedicar afeto e ser reconhecido como tal. É necessário ainda que essa disposição seja voluntária. “Não se concebe, pois, a conformação dessa espécie de filiação quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de consentimento”, concluiu.
Relação viciada
O relator disse que a filiação socioafetiva pressupõe “a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente”, circunstância ausente no caso.
Segundo o ministro, “cabe ao marido (ou ao companheiro), e somente a ele, fundado em erro, contestar a paternidade de criança supostamente oriunda da relação estabelecida com a genitora, de modo a romper a relação paterno-filial então conformada, deixando-se assente, contudo, a possibilidade de o vínculo de afetividade vir a se sobrepor ao vício, caso, após o pleno conhecimento da verdade dos fatos, seja esta a vontade do consorte/companheiro (hipótese que não comportaria posterior alteração)”.
No Supremo Tribunal Federal (STF) em janeiro de 2013:
Prevalência de paternidade socioafetiva sobre biológica é tema com repercussão geral
O Supremo Tribunal Federal (STF), em votação no Plenário Virtual, reconheceu repercussão geral em tema que discute a prevalência, ou não, da paternidade socioafetiva sobre a biológica. A questão chegou à Corte por meio do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 692186, interposto contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que inadmitiu a remessa do recurso extraordinário para o STF. No processo, foi requerida a anulação de registro de nascimento feito pelos avós paternos, como se estes fossem os pais, e o reconhecimento da paternidade do pai biológico.
Em primeira instância, a ação foi julgada procedente e este entendimento foi mantido pela segunda instância e pelo STJ. No recurso interposto ao Supremo, os demais herdeiros do pai biológico alegam que a decisão do STJ, ao preferir a realidade biológica, em detrimento da realidade socioafetiva, sem priorizar as relações de família que têm por base o afeto, afronta o artigo 226, caput, da Constituição Federal, segundo o qual “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
O relator do recurso, ministro Luiz Fux, levou a matéria ao exame do Plenário Virtual por entender que o tema – a prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica – é relevante sob os pontos de vista econômico, jurídico e social. Por maioria, os ministros seguiram o relator e reconheceram a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
O que é repercussão Geral?
A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federalde 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, por meio de um sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria.
Entretanto o caso em análise (o do Rio Grande do Sul) não é o mesmo do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 692186 julgado pelo STF, portanto não deve ser avaliado e decidido da mesma forma; tanto é assim que o STJ entendeu desconstituir a paternidade socioafetiva.
Obs.: nomes não citados (Processo em segredo de Justiça).
Fontes: STJ, STF e ConJur.
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